Cláudia era uma mulher muito afetuosa e tenra, muito amada
por todos os seus servos e servas, ainda mais por seu marido Pôncio Pilatos,
que era prefeito da província romana da Judéia. Pilatos era um homem de alto
grau consular em Roma, e por isso a ele foi designado governar e administrar a
Judéia em nome do imperador. Tudo corria bem na província, nenhum incidente
grave ou rebelião de grandes proporções havia ocorrido nos sete anos em que
Pilatos governava.
Nos dias de César, Cláudia caminhava alegremente pelos
largos corredores do palácio, quando parou em frente a um grande móvel de
madeira onde guardava os utensílios de tortura usados pelos soldados para
controlar insurgentes.
Em um momento de reflexão lembrou de quando caminhava entre
os judeus em um dia de sábado e se encontrou com um homem magro, de aparência
pobre e roupas simples. O homem trabalhava uma peça de madeira, que parecia ser
uma cadeira, com uma maestria jamais vista antes por ela. Por alguns instantes
ela ficou observando aquele trabalho, como em um transe pelos movimentos suaves
e a calma no olhar do homem. Trabalhando cada movimento com as mãos e com os
olhos , como se aquela fosse a peça mais preciosa que existisse no mundo. De
repente ela observa ele largar o instrumento que utilizava na peça e apanhar
calmamente um prato com água. Todos os movimentos do homem pareciam ser
executados em câmera lenta. O homem imerge a mão na água e como uma concha,
despeja a água sobre a peça de madeira e observa pacientemente a madeira
absorver a água. E repetia o procedimento em partes diferentes da peça.
-
Rapaz! – disse Cláudia rompendo seu transe.
O homem parecia não ter escutado que ela o chamava e continuou
observando a simbiose entre a água e a madeira.
- Rapaz!
Por acaso não escuta? Estou falando com você!
-
A água é capaz de mostrar as imperfeições da
peça... Enquanto lixamos com a pedra ou cortamos com a lima, a peça está suja e
coberta de pó, mas quando vem a água, podemos tocá-la e sentir suas imperfeições.
– disse o homem enquanto olhava atentamente para a peça de madeira.
Cláudia sentiu imediatamente um arrepio da planta dos pés
ao alto da cabeça e surpreendia-se em seu íntimo pelo fato de o homem responder
a pergunta que ela ainda nem tinha feito:
- Vejo
que domina a carpintaria! Qual é o seu nome?
- Jesus.
– disse sem tirar os olhos da peça.
- Onde
aprendeu isso? – perguntou Cláudia curiosa.
- Que
a água mostra as imperfeições ou a carpintaria?
- As
duas coisas! Com quem aprendeu?
- Aprendi
ambos com o meu Pai.
Jesus parou
por um instante, passando a mão sobre a peça, disse:
- Veja!
A peça foi lixada e trabalhada, mas ainda assim apresenta imperfeições. Terá
que voltar às mãos e instrumentos do carpinteiro para novamente ser trabalhada,
até que fique perfeita e sirva o seu propósito.
- Mas
as imperfeições às quais se refere são imperceptíveis! Eu mesmo não vejo nada!
– disse Cláudia impaciente.
-
Eu sei que não vê! Mas o criador da peça percebe
quando há algo de errado com ela.
Cláudia ficou confusa, mas extremamente intrigada com as palavras
de Jesus e saiu para continuar sua caminhada...
Parada em frente ao móvel no corredor ela lembrou das
palavras do homem magro e sujo trabalhando na simplicidade daquela pequena
cadeira e pensou se o artesão que esculpiu aquele belíssimo móvel à sua frente
havia se atentado ao detalhe de jogar um pouco de água e descobrir as
imperfeições.
Naquele mesmo dia à noite Cláudia estava ansiosa, algo a
incomodava, algo lhe tirava o sono. Saiu e olhou por uma das janelas do
palácio, a cidade estava muito silenciosa. Avistou algumas tochas acessas longe
no monte das Oliveiras. Ficou ali por alguns minutos imaginando e lembrando do
tal Jesus que havia deixado ela com tanto o que pensar e ao mesmo tempo nada.
Deitou-se então na cama vazia, uma vez que Pilatos não costumava deitar-se com
ela quase nunca, ou quando se deitava junto de sua esposa, era avançada hora da
noite. Adormeceu e começou então a pior noite de sua vida.
Em um sonho ela viu milhares de pessoas, de todas as
partes do mundo, chorando e pranteando com lamentos e gemidos como se
estivessem sentindo dores. Viu um homem coberto de sangue e carregando uma
cruz. A maior parte do corpo ferido e esfolado. Ao redor dele, dentre os
milhares que choravam alguns o amaldiçoavam, escarneciam e humilhavam, outros o
batiam, cuspiam em sua face e atiravam-lhe pedras. O homem foi aproximando-se
dela com o olhar pesado e a respiração densa, olhou em seus olhos e disse:
-
O criador hoje, está jogando água para que possa
ver as imperfeições de sua criação.
Depois disso, o homem caiu e padeceu sob os milhares de
olhares e rostos agora silenciosos, pensativos. Cláudia aproximou-se ainda mais
e pôde reconhecer que o homem caído ali era o carpinteiro que havia encontrado
dias antes.
Foi desperta do sonho pelo som de uma multidão ensandecida
no pátio do palácio. Levantou-se e olhou pela janela, viu os sacerdotes judeus
à frente da multidão e no alto da escada que subia para a porta do palácio, viu
o carpinteiro acorrentado ao lado de seu marido, do capitão da guarda e dos
guardas romanos. Ela foi tomada de um espanto repentino e um desespero sem
igual. Sem saber ao menos do que se tratava a movimentação, pegou um pedaço de
papel que estava sobre a mesa no quarto e escreveu uma carta para seu marido.
Chamou rapidamente um dos soldados que guardavam a entrada de seus aposentos e
o pediu para que entregasse o recado à Pilatos sem demora!
Quando Pilatos desdobrou o papel, estava escrito de uma
forma tremida e rápida, pelas mãos de alguém que procurava ter pressa:
‘Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite
sofri muito por sua causa.’
Erick Freire
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