17.8.16

Marillion, uma garota e a Ponte de Severn

Uma ponte no sul da Inglaterra, uma garota perdida que não sabe quem é ou de onde veio e congelada por sua conflituosa existência. Misture tudo isso com a mente brilhante de Steve Hogarth e o que temos é o melhor álbum conceitual de rock progressivo da década de 90.



Era inverno de 1994 em Bristol, no sul do País de Gales. A neve cobria os quase dois mil metros da Ponte de Severn. Poucas pessoas passavam pela ponte de carro naquela manhã gelada e quase ninguém a pé, apenas uma mulher. Com o olhar perdido, distante, passos lentos, corpo quente, alma e memória congeladas. Ao ser abordada por policiais que passavam por ali, não falou seu nome, não sabia quem era nem de onde vinha. Perdida foi achada e perdida permaneceu.

Ao ligar o rádio do carro na manhã seguinte Steve Hogarth, vocalista da banda de rock progressivo Marilion, ouviu a notícia da garota e ficou profundamente intrigado pensando no que poderia ter acontecido com ela. Por qual motivo estaria caminhando sozinha tão distante de tudo? O que a levou até a Ponte de Severn? O que a fez esquecer quem era e de onde vinha? Nasce então na mente brilhante de Hogarth a inspiração e em sua alma o desejo de construir a história da garota, que deu origem ao ‘Brave’, considerado pela crítica, melhor álbum conceitual de rock progressivo daquela década. Um verdadeiro marco na história da música.


A banda se mudou para o castelo de Marouatte na França, decidida a transformar em música o cenário daquele dia frio. Construir uma ponte que liga o antes e o depois de algo misterioso. O ambiente do castelo pode ser sentido em cada faixa do álbum, a história é construída parte a parte. Uma mistura muito bem definida de momentos melancólicos, introspectivos e marchas potentes, como se representasse uma viagem entre passado e futuro de uma conflituosa existência presente. Os sons gravados pela banda em uma caverna próxima ao castelo para serem usados como ambiente de fundo, dão o tom assustador e solitário que a obra merece.


Ao todo foram nove meses enfurnados no castelo para escrever e produzir e no total dezoito meses para ser lançado. Um trabalho minucioso de produção, engenharia de som, ouvidos atentos, muita análise e conversas duras com o produtor Dave Meegan, que dez anos antes se reunia com a banda na concepção do álbum ‘Fugazi’, segundo trabalho em estúdio do Marillion.

A gravadora não acreditou tanto na viagem de Hogarth quanto os demais integrantes da banda. Todos entraram de cabeça no projeto. Resultado disso: baixos ganhos comerciais para a gravadora e uma obra impecável que causa arrepios a qualquer um que a escute do início ao fim, sem conversar, sem sair do lugar, sem pensar em mais nada, apenas se concentrando e voltando até a Ponte de Severn em 1994.



O lançamento do vinil duplo de Brave possui um sulco duplo no último lado do álbum, que oferece dois finais para a história deste álbum conceitual. O primeiro sulco toca "The Great Escape" como ouvido no CD, seguido de "Made Again", que resulta em um final feliz; o segundo sulco toca "The Great Escape (Spiral Remake)" e 20 minutos de barulho de água, resultando no final depressivo. Um ano após o lançamento, Richard Stanley dirigiu uma versão em filme com 50 minutos contando a história do álbum, apresentando como final o que consta no segundo sulco duplo, o final depressivo.

Brave e sua história, são não somente a mais conceitual e bem elaborada obra de rock progressivo dos anos 90, mas uma contribuição atemporal para a história da música, ao lado e bem acompanhado de obras como ‘Atom Heart Mother’ e ‘Umagumma’. Um ótimo início para quem não conhece a banda ou para quem está começando a estudar mais sobre o rock progressivo.
Erick Freire.

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