Art.
1º, Parágrafo Único. Todo poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta constituição, eram os dizeres na placa da entrada da
cidade quando Alice chegou.
[...]
Ora,
deixemos de lado o conceito formal de ‘poder’, não serve mais para nós
brasileiros. Usaremos então o seu conceito sociológico, que diz: ‘poder é a habilidade de impor a sua vontade
sobre os outros, mesmo se estes resistirem de alguma maneira.’
O
Brasil, logo no início de sua constituição federal, nos apresenta um infinito e
análogo dilema. Nos diz que todo o poder emana do povo, mas não nos apresenta
de forma material, nem o conceito de ‘poder’, nem o conceito de ‘povo’.
Ultimamente
temos enfrentado um momento de muitas manifestações, muitos protestos e
inúmeras reivindicações de todas as classes sociais, de trabalhadores, grupos e
associações. Algumas delas são a mistura utópica de novela da rede Globo com uma americanização ideológica, outras são o século XXI tentando sair do século
XVIII. Uma estranha relação de dois extremos. Nossos diplomas legais são
nostálgicos e nossas crianças têm iPADs. Nossa sociedade espera encontrar poder
no meio do povo, já que nossa constituição nos garante que ele existe, mas não
consegue se sentir parte das esferas políticas nos três poderes. Uma avalanche
de ‘não me representa’ fez parte das últimas manifestações, 97% da população
não estava nas ruas e não se enquadrou no conceito de povo do qual emana poder.
Como entender que uma instituição tão ‘poderosa’ como o povo pode se sentir
enganada ou roubada, com direito a manifestações posteriores, por uma meia
dúzia de representantes escolhidos por eles mesmos?
Não
seria a corrupção um reflexo do que o povo é? Não seríamos nós todos, pequenos
Josés Genoínos?
Como
entender, se nas próximas eleições, acontecer o mesmo? E nas próximas, e na
seguinte, e mais outra vez...
Se
eu tivesse ‘todo o poder’ que a constituição me garante, como povo que sou,
mudaria o Parágrafo Único do Artigo 1º para: ‘Todos os poderes são um reflexo do povo, que olha para si, como em um
espelho, cada vez que um representante é eleito ou indiretamente, nos termos
dessa constituição.’
Nós
temos TODO o poder, garantido constitucionalmente. Porém temo que já não
sejamos mais UM povo, mas sim um aglomerado egoísta de ideias. Um aglomerado
partidário de interesses capitalistas, governados por um sistema de escravidão
que nos oferece todos os dias o ópio da falsa liberdade, no qual podemos ter alguma
sensação de controle da situação.
Na
Atenas Clássica, uma elite de homens livres fazia parte do governo do povo, ou
para aproximar mais da nossa realidade, fazia parte da Democracia. Outras
minorias de baixa instrução eram excluídos do processo. Ora, não seria o Brasil
uma réplica fiel deste sistema?
Tivemos
um grande avanço através do sufrágio universal. Do direito a participação
política e ao voto livre por parte de todos os indivíduos que fossem
intelectualmente maduros para o mesmo. O problema todo está na confusão que se
faz com os termos ‘maduro’ e ‘capaz’. No Brasil, segundo este conceito, diz-se
o indivíduo intelectualmente maduro quando completa 16 anos de idade. Pois bem,
temos então um fator biológico que regulamenta um fator ideológico completamente
subjetivo. Um fator cronológico, presente em nossos diplomas legais, para
determinar quem é subjetivamente capaz de analisar ideias e julgá-las boas ou
ruins para o governo de um país.
Resumindo: O que fundamenta e concede o
PODER, garantido pela constituição,
ao povo, no Brasil, é um fator cronológico. Ninguém nunca terá que fazer nada para ganhar
este poder, apenas ficar vivo até completar 16 anos de idade. Não importa seu
grau de instrução, não importa o que você pensa sobre os sistemas de governo, não
importa de que cultura você venha, precisa apenas esperar ser possuído pelo
poder quando chegar o tempo.
Será
mesmo que este povo que é empossado de poder com 16 anos de idade no Brasil, é
o mesmo povo do qual emana todo o poder? Será que este indivíduo que conquistou
o direito de decisão política sabe o que está fazendo com este poder?
De
uma coisa eu tenho certeza: alguém, sem sombra de dúvida, sabe. E quando
descobrirmos que este alguém, que sabe o que fazer com o poder, é tão egoísta
quanto os atenienses, será tarde demais. O gigante estará embebido em um tanque
de éter, afundado em uma pedra de crack. Viciado em lixo. Dependente químico da
fumaça negra do capitalismo. Será um gigante dependente do governo
assistencialista. Um pequeno-gigante atrofiado em suas indagações. Um corpo com
braços, pernas, coração e órgãos sexuais. Sem pulmão, respirando com a ajuda do
estado. Sem cérebro, vegetando enquanto assiste a próxima novela.
Erick Freire
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