30.1.14

Alice no País do Artigo 1º, Parágrafo Único.




Art. 1º, Parágrafo Único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição, eram os dizeres na placa da entrada da cidade quando Alice chegou.

[...]

Ora, deixemos de lado o conceito formal de ‘poder’, não serve mais para nós brasileiros. Usaremos então o seu conceito sociológico, que diz: ‘poder é a habilidade de impor a sua vontade sobre os outros, mesmo se estes resistirem de alguma maneira.’

O Brasil, logo no início de sua constituição federal, nos apresenta um infinito e análogo dilema. Nos diz que todo o poder emana do povo, mas não nos apresenta de forma material, nem o conceito de ‘poder’, nem o conceito de ‘povo’.

Ultimamente temos enfrentado um momento de muitas manifestações, muitos protestos e inúmeras reivindicações de todas as classes sociais, de trabalhadores, grupos e associações. Algumas delas são a mistura utópica de novela da rede Globo com uma americanização ideológica, outras são o século XXI tentando sair do século XVIII. Uma estranha relação de dois extremos. Nossos diplomas legais são nostálgicos e nossas crianças têm iPADs. Nossa sociedade espera encontrar poder no meio do povo, já que nossa constituição nos garante que ele existe, mas não consegue se sentir parte das esferas políticas nos três poderes. Uma avalanche de ‘não me representa’ fez parte das últimas manifestações, 97% da população não estava nas ruas e não se enquadrou no conceito de povo do qual emana poder. Como entender que uma instituição tão ‘poderosa’ como o povo pode se sentir enganada ou roubada, com direito a manifestações posteriores, por uma meia dúzia de representantes escolhidos por eles mesmos?

Não seria a corrupção um reflexo do que o povo é? Não seríamos nós todos, pequenos Josés Genoínos?

Como entender, se nas próximas eleições, acontecer o mesmo? E nas próximas, e na seguinte, e mais outra vez...

Se eu tivesse ‘todo o poder’ que a constituição me garante, como povo que sou, mudaria o Parágrafo Único do Artigo 1º para: ‘Todos os poderes são um reflexo do povo, que olha para si, como em um espelho, cada vez que um representante é eleito ou indiretamente, nos termos dessa constituição.’

Nós temos TODO o poder, garantido constitucionalmente. Porém temo que já não sejamos mais UM povo, mas sim um aglomerado egoísta de ideias. Um aglomerado partidário de interesses capitalistas, governados por um sistema de escravidão que nos oferece todos os dias o ópio da falsa liberdade, no qual podemos ter alguma sensação de controle da situação.

Na Atenas Clássica, uma elite de homens livres fazia parte do governo do povo, ou para aproximar mais da nossa realidade, fazia parte da Democracia. Outras minorias de baixa instrução eram excluídos do processo. Ora, não seria o Brasil uma réplica fiel deste sistema?

Tivemos um grande avanço através do sufrágio universal. Do direito a participação política e ao voto livre por parte de todos os indivíduos que fossem intelectualmente maduros para o mesmo. O problema todo está na confusão que se faz com os termos ‘maduro’ e ‘capaz’. No Brasil, segundo este conceito, diz-se o indivíduo intelectualmente maduro quando completa 16 anos de idade. Pois bem, temos então um fator biológico que regulamenta um fator ideológico completamente subjetivo. Um fator cronológico, presente em nossos diplomas legais, para determinar quem é subjetivamente capaz de analisar ideias e julgá-las boas ou ruins para o governo de um país.

Resumindo: O que fundamenta e concede o PODER, garantido pela constituição, ao povo, no Brasil, é um fator cronológico. Ninguém nunca terá que fazer nada para ganhar este poder, apenas ficar vivo até completar 16 anos de idade. Não importa seu grau de instrução, não importa o que você pensa sobre os sistemas de governo, não importa de que cultura você venha, precisa apenas esperar ser possuído pelo poder quando chegar o tempo.

Será mesmo que este povo que é empossado de poder com 16 anos de idade no Brasil, é o mesmo povo do qual emana todo o poder? Será que este indivíduo que conquistou o direito de decisão política sabe o que está fazendo com este poder?


De uma coisa eu tenho certeza: alguém, sem sombra de dúvida, sabe. E quando descobrirmos que este alguém, que sabe o que fazer com o poder, é tão egoísta quanto os atenienses, será tarde demais. O gigante estará embebido em um tanque de éter, afundado em uma pedra de crack. Viciado em lixo. Dependente químico da fumaça negra do capitalismo. Será um gigante dependente do governo assistencialista. Um pequeno-gigante atrofiado em suas indagações. Um corpo com braços, pernas, coração e órgãos sexuais. Sem pulmão, respirando com a ajuda do estado. Sem cérebro, vegetando enquanto assiste a próxima novela.

Erick Freire


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